NÃO TENTE VENCER O VENTO

Caminhava pela rua Javari, no Bairro da Mooca, em São Paulo, e vi logo mais à frente um cidadão carregando uma placa de isopor pela calçada.
Num daqueles momentos mágicos de nossa vida, retornei à minha infância.
Surgiu-me, claramente, na memória quando eu entrava em pânico ao saber que um professor pedia um trabalho com isopor. O problema não era os trabalhos em si, mas ter que chegar com o trabalho em isopor inteiro na escola, vencendo os dois quilômetros a pé que separavam minha casa da escola, na Vila Prudente, no Colégio José de Anchieta.
Era um percurso muito longo. Eu saía até mais cedo de casa e, normalmente, levava um tubo extra de cola.
Rezava, chegando mesmo a implorar a Deus, para que o vento não surgisse…
Se você não entende o porquê desse meu medo todo, tente levar uma placa de isopor atravessando por calçadas onde o vento sopra…
Bem, mas voltando ao cidadão da rua Javari certamente ele ainda não tinha tido esta experiência e logo percebi isso.
Tanto tinha certeza da falta de experiência que apostei com meu amigo Marco Vaiano que estava comigo, que o cidadão não chegaria ao fim da rua com a placa inteira.
Meu amigo achou estranha a aposta, mas concordou.
Bastaram apenas alguns minutos para me certificar que ganharia a aposta.
O cidadão carregava em sua cabeça uma placa de isopor de, mais ou menos, uns 2 metros de largura por 1 de comprimento.
Ao primeiro sopro mais forte de vento naquela calçada, que era cortada pela sombra de um prédio centenário, a placa partiu-se ao meio.
Ele logo correu para pegar a metade que voou, mas, ao segurá-la, ficou apenas com um pedaço pouco maior que o da sua mão.
O vento, impiedoso, soprou mais uma vez e fez com que a metade da placa novamente voasse, enquanto ele ficava olhando para o pequeno pedaço em sua outra mão.
Em seu pânico, acabou deixando voar a outra metade e, novamente, ao resgatá-la viu apenas um outro pedaço em suas mãos.
A placa já estava bem avariada e bastante menor.
Ele colocou uma sobre a outra, abraçou-as de tal forma contra o peito, como quem diz vitorioso: “quero ver você sair daqui agora”.
Mas, ele apertou com tanta força que acabou partindo-as ao meio e o vento, como que brincando com o cidadão, novamente fez com que duas partes voassem e ele ficasse com duas partes nas mãos.
As duas partes que voaram, entraram no meio de alguns veículos que passavam e ele, já em um desespero de dar dó, deixou as outras duas partes encostadas junto à parede do prédio para tentar salvar as demais.
Mas, de nada adiantou, elas acabaram atropeladas e destroçadas, ficando em frangalhos mesmo o cidadão tentando salvá-las arriscando-se entre os veículos.
Desolado ao ver suas placas perdidas, ele volta seu olhar para as partes restantes que deixara na calçada, apoiadas na parede.
O vento, sorrateiramente, havia feito com que elas decolassem e pairassem, junto à parede, a uma altura de quase três metros e ele, já quase exaurido de suas forças nessa luta, com os dois braços abertos para o alto, tentava pegá-las em vão…
As placas acabam por ralar-se na parede do prédio até ficarem presas numa janela e mais precisamente falando na grade que cobria a janela.
Ele resolveu achar uma entrada no prédio, para chegar à janela e resgatá-las.
Mais uma vez seu esforço foi em vão, pois o prédio está abandonado e com placas de “aluga-se”.
Finalmente o vento até então insensível, parecendo estar penalizado com o cidadão, parou.
As placas caíram, voaram também para a rua e, como as outras, foram atropeladas.
Meio inconformado o cidadão vai até o meio da rua, chuta os pedaços que sobraram, volta para a calçada da rua Javari e segue seu caminho.
Mas, posso dizer, com certeza, que quando o cidadão retornou ao seu caminho na calçada, não era mais a mesma pessoa de momentos atrás, quando fiz a aposta.
Quando a placa de isopor estava inteira era importante.
Ele tinha um plano para ela até que foi surpreendido e seu ideal foi transformado em conformismo.
– Será que ele repetiria o mesmo caminho com outra placa de isopor?
Talvez sim, pois muitas pessoas o fazem. Insistem em experiências desastrosas, deixam estilhaçar coisas em suas vidas que só poderiam ser desfrutadas se estivessem inteiras, e acreditam que ficaram mais experientes, porem a única coisa que incorporam às suas vidas são experiências desastrosas, sem nenhum resultado positivo.
Carregar suas metas, sonhos e desejos e até mesmo seu amor, como uma placa de isopor contra o vento da nova economia de mercado em busca de novas maneiras de interpretar emoções, poderá lhe manter no caminho, mas com muito menos bagagem do que quando entrou nele.
Talvez você entre para a vida de mãos cheias, carregando algo, e na sua luta de pensar que entrou de mãos vazias, termina por selar realmente seu destino com as mãos vazias.
Cuide bem de sua placa de isopor, ela pode ser seu sonho, sua família, seus filhos, seus pais, seus irmãos, seus amigos…
Fique na calçada, respire o vento e não lute contra ele.
Nesta batalha só há derrota e dor ao ver tudo aquilo que lhe importa virar migalhas entre seus dedos.
Una-se ao vento e faça como as embarcações movidas à vela aproveitando-se dele, extraindo apenas o que há de melhor em seu sopro, baixando as velas nos momentos ruins e deixando-o simplesmente passar.

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