PREFERÊNCIA OU CONVENIÊNCIA?

 Houve um tempo, e isso não faz tanto tempo assim, em que uma mulher entrava em um ônibus e os homens se levantavam para ceder seu lugar.

Hoje, nas salas de espera de aeroportos, anuncia-se a preferência de idosos, grávidas, mulheres com crianças e deficientes. Mas, não é isso que vemos na saída da sala de espera, tampouco na entrada do ônibus do aeroporto e muito menos ainda na aeronave. Na fila do táxi, na saída do aeroporto, então, nem se fala.

Parece que a preferência foi resumida às “sacolinhas” de supermercados e padarias onde vemos a célebre frase: “agradecemos a preferência”.

Já que vivemos numa sociedade, devemos respeitar algumas regras básicas de convivência e a principal delas é a hierarquia da preferência pela condição social e não posição social.

O que anda acontecendo, a olhos vistos, é que a falta de reconhecimento de amor às pessoas ao seu redor, a preocupação com seus próprios requisitos de sobrevivência, está fazendo com que as pessoas tornem este mundo muito mais egoísta do que ele merecia ser.

Quantas vezes não ouvimos o nosso colega de trabalho, ou até mesmo nós, dizendo: “Para que dar bom dia a ele, ele é apenas um motorista de táxi…”, “Para que dar lugar à uma grávida na sala de espera do aeroporto, na área estritamente reservada para ela, se tenho mais cansaço que ela…”

Vagas de deficientes físicos em estacionamentos sempre tomadas pelas pessoas espertinhas, caixas preferenciais para idosos e grávidas nos supermercados e em bancos, sempre tomados pelas pessoas apressadinhas…

Isso está fazendo com que nos tornemos egoístas perante a condição alheia, preservando o nosso bem-estar acima de tudo e de todos.

Lamentavelmente a hierarquia de condição social só está sendo conquistada sob forte protesto, mostrando a situação vergonhosa na qual a sociedade vem resumindo seus valores morais.

Estou falando isso com conhecimento de causa, devido à minha convivência com deficientes e, mais ainda, por percorrer este país com uma grávida nestes últimos meses (minha mulher Thais que espera o Arthur).

Tenho visto o constrangimento e a discriminação tomarem seu assento no lugar reservado à preferência.

Num desses vôos, aconteceu um overbook – mais passagens vendidas que lugares disponíveis no avião.

Um comissário, com seu belo uniforme, anuncia:

– Caso algum passageiro queira trocar seu vôo para a próxima partida ganhará um trecho-convite de nossa companhia, podendo usufruí-lo quando bem quiser.

Não houve nenhuma manifestação por parte dos presentes pois todos estavam muito apressados e sequer prestaram atenção ao fato, só esquecendo que enquanto isso a aeronave não poderia decolar.

Na fileira ao meu lado havia um casal de índios. Ele estava de paletó e ela de saia e blusa, o que demonstrava da parte deles um profundo respeito com a sociedade, pois estavam fora de sua aldeia onde não necessitavam de vestimentas maiores que uma tanga.

Como ninguém havia se manifestado, a favor da troca de passagem, ouve-se um grito ao fundo da aeronave: “Desçam os índios”!

Mas, o pior não foi isso, foram os risos desencadeados após a frase…

Levantei-me e ofereci meu lugar e o de minha esposa ao comissário…

Assim que fiz isso, olhei para trás e fiquei mais feliz ainda pois um senhor fez o mesmo o que gerou uma reação em cadeia e vários outros fizeram o mesmo.

Apesar da situação inusitada para o comissário, senti-me realizado, pois foi lindo, muito lindo… Percebi que nem tudo está perdido…

Depois disso, foi identificado o racista e, num coro, todos os passageiros da aeronave ameaçaram descer caso ele não fosse o escolhido para suprir o overbook…

Final feliz e com uma linda lição para todos ali presentes, enquanto viam o casal de índios chorarem de emoção.

Bem, contei essa estória apenas para mostrar que o respeito, uma das normas douradas da convivência em grupo está em desuso em nossa sociedade atual.

Se analisarmos algumas espécies de animais, que dizem não serem tão racionais como nós, veremos que tal atitude é primordial em seu habitat.

Observe o momento à sua volta. Dê a preferência quando for necessária. Não seja vítima da síndrome da conveniência, que usa olhares para baixo e para os lados dizendo que você está certo e que a estória não é contigo.

Isso fará de você uma pessoa mais racional e cordial, não com o mundo mas com você mesmo.

Eis aí um alimento que enobrece a quem dá e alimenta a quem o recebe.

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