UM CONTO DE NATAL

O cansaço pela vida chegou ao coração de Melissa. A perda de tantas emoções ao longo de sua vida, assim como a ingratidão das pessoas, as desavenças com a família que tanto queria que fosse unida, fez dela uma mulher em eterna depressão, onde não mais notava o amor do marido e nem dos filhos.

– Para que viver?

Era a pergunta que ela mais se fazia.

– De que vale a vida?

Era sua busca diária constante.

Com esse quadro, não demorou muito para que as medicações tomassem o espaço de seu livre arbítrio. Ela não mais decidia sequer sobre seu sono, pois ele só acontecia com a ajuda da química, que anestesia nossa mente e nos afasta, por alguns instantes apenas, da realidade em que vivemos.

O Natal já se aproximava.

Mas, este ano seria diferente! Ela sequer pensava em preparar sua árvore, tampouco sua casa. Ela não tinha mais o que comemorar.

Sentindo-se incompreendida por tudo e por todos, Melissa deixa seu lar e vai morar sozinha, quando faltavam apenas 10 dias para o Natal.

E, na sua solidão, muitas outras perguntas surgiam e outras dúvidas mais varriam sua mente.

– Minha vida não vale nada! Ninguém sentiria minha falta depois de alguns dias de minha morte! É sempre assim: as pessoas passam e pronto… – dizia ela a si mesma.

Sai então a passear de carro pelas ruas, tentando arejar sua cabeça, e vê muita gente em clima de festa. Ambientes em clima de festa e volta a se questionar:

– No fundo, somos todos hipócritas: festejamos algo que acreditamos, mas não praticamos; não temos força para deixar de praticar aquilo que combatemos. Quando passar o Natal, estas pessoas vão voltar ao seu normal, com suas individualidades, seus egoísmos e seu bater de ombros para tudo que realmente interessa nesta vida. Estou cansada de tudo isto, Natal é coisa passageira, e pior ainda, falam e enaltecem o Cristo neste dia e logo depois nem lembram as promessas que fizeram na Ceia. As pessoas sempre esquecem suas promessas por terem medo e incapacidade de cumpri-las…

Já era tarde, e ela sequer notou que seu carro ficou sem gasolina. Vinha se esquecendo de fazer muitas coisas corriqueiras e abastecer o carro foi uma delas.

Sentiu que estava ainda mais certa sobre o individualismo das pessoas, quando pediu ajuda e ninguém lhe deu atenção. Ficou ali, com o carro parado naquele bairro escuro, em meio à marginal do rio Pinheiros, olhando os suntuosos luminosos com as propagandas que assolam o longo muro do Jockey Club de São Paulo.

– E daí? – pensou ela – Ninguém está nem aí pra mim mesmo! A vida é muito estranha e as pessoas mais ainda.

Notou a presença de alguém chegando, e pensou: Se fosse em outros tempos eu já estaria apavorada. Vão me assaltar! Mas, do jeito que estou, que assaltem e quem sabe me tiram este fardo pesado que é viver…

Olhou para o lado e logo foi gritando:

– Atire! Atire logo, não tenho nada para você roubar…

Neste exato momento, um barulho estourado aconteceu e ela se viu no chão, ao lado de um homem que falava com ela.

– Estou morta? Consegui? Agora vou ficar em paz!

– Bem minha senhora, nem sempre podemos fugir tão facilmente assim de nossa missão nessa existência. Ao nosso lado está uma criança muito ferida. Precisamos ajudá-la! Venha, tenho conhecimentos de primeiros socorros e, talvez, possamos salvá-la. Infelizmente seus pais não tiveram a mesma sorte… – disse o homem.

Melissa disse então:

– Deus poderia tirar minha vida e dá-la a esta criança desfigurada, agora em meus braços, e à sua família dentro carro…

O homem exclamou:

– Assim seja senhora!

Ela sentiu-se um pouco estranha e, logo, percebeu que as pessoas envolvidas no acidente eram os membros de sua família. Tentou tocá-las, mas parecia que ninguém a notava.

Buscou o homem com quem conversou e percebeu que apenas ele podia notá-la. Perguntou a ele como podia ser isso. Ele lhe explicou dizendo:

– Seu pedido foi atendido. Você deu a sua vida por esta família.

– Mas, esta é a minha família… – disse Melissa ao homem.

– Eu sei… – respondeu ele – Eles a procuravam por toda a cidade, pois hoje é véspera de Natal, e todos sofriam pela sua ausência. Sofriam porque a amam e, essas pessoas todas que estão chegando ao local também chorando, são suas amigas que largaram tudo na Ceia de Natal para vir prestar suas dores, aqui mesmo, no local do acidente. E você sempre pensou que nenhuma delas nada sentia por sua pessoa.

Melissa percebeu que, durante muito tempo em sua vida, não soube responder com amor ao amor que recebeu das pessoas e, então, disse ao homem:

– Se Deus me desse mais uma chance, eu mudaria e jamais deixaria meus amigos, meus filhos e meu marido. Faria por eles tudo que deixei de fazer! Daria a eles meu amor, de maneira incondicional!

– Assim seja feito! – disse o homem.

Melissa, então, olhou para o lado e logo foi gritando:

– Atire! Atire logo, não tenho nada para você roubar…

E, nesse momento, uma mão lhe tocou o rosto dizendo:

– Calma, meu amor, sou eu! Seu marido! E, logo depois, ouviu-se, um barulho estourado… Era do escapamento de um caminhão que por ali passava. Em seguida, os filhos de Melissa saíam do carro indo ao seu encontro, e outros carros estacionavam e, deles, desciam suas amigas.

Seus filhos a abraçaram e disseram:

– Venha mamãe! Procuramos pela senhora por toda a cidade nesta Noite de Natal. Queremos mudar as nossas e a sua vida e, para isso, vamos rezar e comemorar Jesus, para que, juntos, Ele nos faça encontrar a felicidade novamente!

Melissa abraça o marido e os filhos e nota, do outro lado da Marginal, o Homem com o qual conversou, acenando-lhe um adeus e caminhando sobre as águas do rio, desaparecendo na névoa daquela noite…

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