Filhos devem nascer adultos ou bebês?
Bem, talvez devessem nascer adultos… É, acho que deveriam nascer adultos…
Aí então os pais teriam com eles um relacionamento já amadurecido, cheio de conchavos e poderiam lhes falar das verdades do mundo, das dificuldades, das alegrias e dos demais compassos que fazem a melodia familiar tocar.
Assim eles já sentiriam, logo ao virem ao mundo, como a coisa funciona por aqui e já estariam mais próximos dos corações de seus pais.
Os pais já poderiam discutir com os filhos assuntos de alta prioridade, incluí-los nos processos de existência com relacionamentos aplicados.
E, de adultos eles iriam, aos poucos, tornando-se crianças novamente. Assim, a cada dia que passasse, ao invés de crescerem, voltariam no tempo…
Aos poucos, a cada nova passagem dos dias os pais poderiam abraçá-los, protegê-los, beijá-los e logo estariam trocando suas fraldas…
Porque, ao meu ver, essas são as mais doces lembranças que os pais guardam de seus filhos desde o nascimento até quando vão crescendo aos pouquinhos.
Essas lembranças vão ficando no coração dos pais e nas fotos do álbum de família, espalhando-se pela vida inteira com a função incansável de amar que só os pais sabem ter.
Penso que, talvez, nos dias de hoje e de ontem, essas lembranças deveriam encontrar um meio de permanecerem nestas frágeis memórias infantis, assim como permanecem na dos pais. Pois muitos filhos, quando crescem, deixam a poeira se acumular no que deveria ter sido a melhor parte de suas vidas.
Quando um filho é gerado damos a ele o DNA da mãe e do pai, que é a marca registrada e incontestável de nossa ligação fisiológica. Depois disso, quando vão crescendo, passamos um bom tempo tentando fazer correr em suas veias, além de nosso sangue, um “algo mais”. Aquele “algo” que possa estar sempre em seus corações e mentes, coisas como caráter, um comportamento enquadrado que permita uma convivência aplicada e nutritiva com os responsáveis pelo seu DNA.
Mas, mesmo assim, vemos algumas coisas que nos chocam, partindo de filhos para pais e aí começamos a nos questionar…
No momento em que um filho invade a privacidade de seu pais, criando interpretações sobre algo que ainda não está preparado para entender, criticando com espinhos… Este filho, neste momento não deve lembrar-se das tantas e tantas noites que seu pais ficaram ali acordados, esperando aquele bebê dormir quando tinha febre ou dor de ouvido, pedindo aos anjos que tirassem aquela dor do filho e transferissem à eles… Será que, mesmo com essa lembrança, este filho invadiria a privacidade dos pais e os criticaria com espinhos ?
Quando um filho é abordado por um canalha traficante, deveria lembrar-se de quando sua mãe lhe preparava uma papinha saudável, ali na boca do fogão, que além de nutritiva tinha carinho para que seu corpinho estivesse cada dia mais saudável… Será que, mesmo com essa lembrança, este filho se renderia as drogas?
E quando um filho acusa seus pais de não terem lhe dado tudo que ele gostaria de ter, seria bom que pudesse se lembrar das vezes que ele, ainda criança, pedia alguns brinquedos com aqueles olhos puros que batiam no bolso vazio do pai, que nunca pôde ter um brinquedo daqueles, e mesmo assim o filho ganhava aquele brinquedo… Será que, mesmo com essa lembrança, este filho acusaria seus pais ?
Quem sabe então, um filho ao chamar seus pais de mentirosos ou burros por não concordar com a maneira com a qual os pais ganham a vida, ou ainda denigre suas imagens e seus negócios, lembrasse de frases “dos antigos”, como diz meu sogro, avô de Breno e Arthur, “quantas vezes pais são capazes de se deixarem humilhar na rua, para chegarem como heróis em casa” e também que essa forma de ganhar a vida, ou os negócios tão criticados agora, foi o que pagou suas contas até a juventude e sustentaram sua escola, seu hospital e seus brinquedos de criança. Será que, mesmo com essa lembrança, este filho ainda maldiria seus pais ?
Quando um filho bate o telefone na cara dos pais, poderia lembrar-se de quantas histórias seus pais lhe contaram para que ele pudesse dormir no embalo dos sonhos… Será que, mesmo com essa lembrança, este filho bateria o fone na cara dos pais ?
E, se o filho, ao cuspir de várias maneiras na cara dos pais, inclusive criticando, lembrasse o quanto seu rostinho foi beijado, o quanto sua bundinha foi beijada, o quanto de cocô lhe foi limpo e o quanto foi protegido no momento de sua fase indefesa… Será que, mesmo com essa lembrança, este filho cuspiria na cara de um pai ou o criticaria?
Ou talvez ainda aquele filho que levanta a voz para os pais, pudesse lembrar quantas vezes seus pais falaram baixinho pela casa para não acordá-lo… Será que, mesmo com essa lembrança, este filho levantaria a voz para seus pais?
Quando um filho pensa em cometer suicídio, envenenando-se com mazelas do mundo, deveria lembrar-se do quanto ele foi importante na vida de seus pais e o quanto seus pais colocaram de amor em seus corações… Será que, mesmo com essa lembrança, este filho cometeria suicídio?
Um filho que teve a união de seus pais rompida poderia lembrar que cada um fez aquilo que podia, da maneira como sabia, com tudo que tinha, ainda acredita em uma das partes que insiste em querer mostrar e provar que o outro é que não presta, tendo como base sua própria pessoa… Será que, mesmo com essa lembrança, este filho romperia com um de seus progenitores?
E na escola, quando o filho repete o ano, ou pretende abandonar os estudos, lembrasse o quanto seu pai deixou de suor no trabalho para dar-lhe educação… Será que, mesmo com essa lembrança, este filho repetiria o ano e abandonaria os estudos?
E, finalmente, um filho que planeja a morte dos pais deveria buscar em sua memória quando eles planejaram a sua vinda, com tanto amor, e ainda tudo o mais que fizeram para que a vida dele, naquele momento da maternidade, quando choraram e prometeram a si mesmos dar a ele aquilo que estivesse ao seu alcance… Será que, mesmo com essa lembrança, este filho ainda planejaria a morte de seus pais?
Lembro-me que meu avô cantava com meu pai uma bela canção sertaneja, onde uma de suas estrofes dizia: “Um pai cria três filhos, mas três filhos não cuidam de um pai…”. Os pais comem a casca da fruta para que seus filhos comam a fruta. Na maioria das vezes os pais estão sempre prontos a dar, dar e dar, mas alguns filhos, ao invés de receberem, querem apenas tomar, tomar e tomar.
Ah! Que maravilhoso seria se as nossas crianças, ao romperem a barreira da infância, pudessem levar em suas memórias os melhores momentos da vida de seus pais e com certeza os seus também… Quão melhor não seriam nossos relacionamentos… Quanto amor e gratidão haveria em nossas convivências… Quanto respeito e desejo de felicidade mútua não haveria em nossos corações…
Acho que o grande desafio da nova era da genética talvez não seja mapear o DNA, o Genoma ou o Proteoma, mas sim descobrir como os filhos de amanhã poderão carregar ativo em sua memória pela sua vida, o grande momento de suas vidas, o momento em que receberam de seus pais o verdadeiro amor, a verdadeira dedicação, os verdadeiros sacrifícios, o verdadeiro carinho e a verdadeira força espiritual…
Bem, enquanto este dia não chega, os pais continuam pais e os filhos continuam pródigos, recebendo o perdão.
Afinal, ser Pai e Mãe é atuar no papel das únicas pessoas no mundo capazes de receberem de volta os filhos e perdoarem, aconteça o que acontecer… Uma das Divinas coisas que abençoam os Pais quando os filhos nascem… Coisas do Divino…