EU NÃO SOU ESTATÍSTICA, SOU UM CIDADÃO

Um amigo me disse:
“Pela segunda vez, ele foi vítima de um assalto por bandidos fortemente armados após efetuar pagamento na agência bancária com que trabalha desde 1980. Os meliantes o seguiram desta vez durante mais de uma hora, até rendê-lo totalmente com fortes ameaças e armas em punho, quando desceu de seu veículo em frente de casa.
Nem mesmo sendo já refém total, sem reagir, deixou de ser aviltado e ofendido pelos dois motoboys que praticavam o crime.
Não bastasse, seu filho de dez anos assistiu a tudo de uma janela. Viu o pai na mira de pistolas e ameaçado ao extremo.
Após o fato, fui exercer meu papel de cidadão, dirigi-me ao Distrito Policial do bairro que resido na Cidade de São Paulo, onde esperei por algumas horas. Resolvi voltar mais tarde, voltei à noite, esperei por outras tantas horas e fui aconselhado a voltar no dia seguinte. O motivo, o Distrito Policial estava lavrando flagrante de apreensão de drogas…
Entre idas e vindas, mais uma vez aguardei por quase duas horas, quando finalmente consegui lavrar o boletim de ocorrência. Agora me resta tentar fazer nova peregrinação junto aos investigadores para solicitar a fita de vídeo da agência bancária para reconhecimento dos bandidos, mas não tenho muita certeza se vou conseguir.
Não é fácil falar com investigadores que fazem o trabalho de vinte… O banco, em vez de colaborar e enviar espontaneamente a fita, só o faz mediante requisição do delegado, que faz o trabalho de dez…
Pela expressão do escrivão de polícia, mais um caso entre as centenas que acontecem todos os dias.
E, para os Policiais Militares que atenderam em três minutos o chamado após a ocorrência, mais uma “saidinha de banco” com um alerta para as unidades da região.
Não interessa o que se vai fazer numa agência bancária. Se os bandidos o escolherem, você é mais um na estatística da ‘saidinha de banco’.”
Até quando os bancos serão beneficiados neste país em todos os sentidos? Até quando os clientes serão reféns da total falta de segurança nas agências? Até quando todos que estão numa fila assistem aos movimentos de quem está no caixa? Até quando um segurança de banco, mesmo desconfiando de alguém, não pode abordá-lo dentro da agência? Até quando será permitido o uso de celular dentro das agências? Até quando motoqueiros vão circular sem o colete que leva, em tamanho enorme, a placa da moto nas costas? Até quando a blitz em motos só vai acontecer quando a PM tiver uma folga na região? Até quando o Governo do Estado de São Paulo vai permitir que inocentes pessoas que trabalham sejam alvos e presas fáceis do canalha dentro das agências? Até quando as delegacias vão ser apenas instrumento de registro de dados pela ausência de pessoal na efetivação das diligências legais e necessárias para que a lei seja cumprida? Até quando iremos ser gentis e complacentes com aqueles que nos impuseram a pena de morte e traumas ásperos? Até quando a impunidade será a lei do bandido e a desgraça do cidadão? Até quando teremos de suportar a dor de ver nossa honra aviltada e nossa família ameaçada mesmo quando nos dispomos a colaborar nas investigações? Até quando os caixas das agências bancárias serão um palco onde os bandidos selecionam suas vítimas do dia? Até quando nossa indignação terá de ser mantida em segredo por medo de represálias dos bandidos e certeza de que a lei não chegará neles? Até quando devemos clamar por justiça em meio a tanto descaso de parte das autoridades? Até quando nada vai mudar para melhor no caminho do cidadão para dificultar e inibir o bandido? Até quando o cidadão vai colaborar com a justiça colocando em risco sua segurança e a de sua família a troco de nada? Até quando uma vítima será aconselhada por praticamente todas as pessoas com quem compartilha sua sede de justiça a ‘deixar para lá, não vai dar em nada mesmo’? Até quando os bancos podem enviar uma conta negativa de alguns reais para a SERASA e permitir o trânsito livre de bandidos dentro das agências contra os seus supostos clientes? Até quando bandidos que explodem caixas eletrônicos são presos em tempo recorde e cidadãos batem o recorde de serem roubados e colocados em risco de morte sem verem a justiça ser feita em tempo algum? Até quando…?
Eu não me conformo em fazer parte de uma estatística criminal de minha cidade, para soar nos lábios de políticos ou secretário de segurança, uma estatística que atende a interesses políticos e não de um brasileiro que ama sua cidade e seu país… Eu não me conformo de ter de engolir “leis” que abrem as portas dos presídios para condenados e ainda lhes condecoram com fiança… Eu não me conformo de termos como vencer o mal e omitirmos essa capacidade através de um sistema viciado e acostumado à impunidade… Eu não me conformo de ter de agradecer por sair vivo das mãos destes canalhas e viver como se o governo que ajudei a eleger não tivesse nada com isso ou não tivesse como evitar um mal maior com um bem melhor… Eu não me conformo de os canalhas irem dormir normalmente para no dia seguinte repetirem o feito da mesma maneira e no mesmo lugar, enquanto eu tenho de tomar calmantes e meu filho fazer terapia… Eu não me conformo de voltar na mesma agência e dar de frente com um dos canalhas, avisar o segurança, chamar as autoridades e nada ser feito… Eu não me conformo de o trânsito livre ser deles e termos de nos conformar com tudo isso… Eu não me conformo de os bandidos terem nos imposto a pena do medo, as autoridades terem nos imposto a pena da impunidade. Eu não me conformo de, dias depois, nada ter acontecido com quem tenha cometido o crime, que tudo continue igual, os bandidos lá, na mesma agência, fazendo novas vítimas, que, como eu, serão apenas parte das estatísticas.
Afinal, parece que é de estatísticas que as eleições são ganhas neste país. Apenas não perguntam às pessoas que se tornaram estatísticas o que realmente elas pensam disso. Talvez, de alguma maneira, algum dia um cidadão tenha como retribuir essas gentilezas.
Atualmente a justiça não funciona e passou a significar apenas expôr estatísticas que fazem de cada cidadão um número cheio da lama que acoberta o descaso com um problema que é sempre do outro, só aconteceu na vida do outro…
Só que o outro é parte integrante e formadora de uma sociedade que clama por seus direitos de segurança e paga caro por eles, às vezes com a própria vida.
Enquanto se pensar que o problema é do outro, ele vai crescer e um dia vai bater à sua porta também, e aí, quando se indignar, não vai encontrar ninguém para compartilhar sua luta, pois os que já passaram por isso estarão fora de seu alcance, você vai encontrá-los apenas nas estatísticas.
Mas, eu não sou estatística, sou um Cidadão”, finalizou meu amigo.
Lamento muito pelo meu amigo, ele tem meu total e irrestrito apoio, não pense que você está livre de ser estatística apenas por que ela ainda não lhe foi imposta, o silêncio de nossa voz pela justiça, faz o eco da impunidade prosperar no vale da incerteza e do medo, destruindo esperanças, famílias, vidas e sonhos.

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